quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Resenha: EU SEI O QUE VOCÊ ESTÁ PENSANDO - John Verdon

Ao encerrar a leitura de “Eu sei o que você está pensando” (Arqueiro, 352 páginas), romance de estreia do norte-americano John Verdon, e me pôr a pensar no que escreveria numa futura resenha do livro, três certezas imediatamente me vieram à mente: 1) eu tinha acabado de ler um thriller policial de muita qualidade; 2) Verdon dá uma verdadeira aula de como sugar o leitor para dentro da narrativa; 3) o mesmo Verdon dá outra verdadeira aula de como NÃO se deve entregar o clímax de um romance como esse. Bem resumidamente, é isso que tenho a dizer sobre o debute do autor - que chegou a despertar certas comparações com as histórias protagonizadas por Sherlock Holmes -, lançado há poucos meses no Brasil.

O mistério se inicia quando o detetive aposentado David Gurney recebe a visita de um antigo colega de universidade, o ex-alcóolatra e agora escritor de autoajuda Mark Mellery. Consumido pelo medo, Mellery conta a Gurney sobre os poemas ameaçadores que vem recebendo, todos fazendo referências a seu passado sombrio e condenável. E há ainda o mais inconcebível: o remetente, de alguma maneira, parece conhecer seus segredos a tal ponto de conseguir prever, com acerto, que número entre 1 e 1000 viria à mente de Mellery quando lhe fosse pedido para escolher um, aleatoriamente. Atormentado por seus próprios fantasmas do passado – um filho com quem não tem contato, uma esposa de quem se afasta cada vez mais –, Gurney mergulha no drama do colega, só para ter de lidar com seu brutal assassinato. Agora, o detetive precisa esquecer a aposentadoria e se lançar à caça de um assassino insano e brilhante.

Nota-se da parte de Verdon uma enorme ousadia neste seu primeiro romance. Sem medo de mirar alto demais, o autor despeja uma série de mistérios na primeira centena de páginas, capturando de imediato o interesse do leitor, que não tem como não se perguntar como o autor fará para prover respostas satisfatórias a eles. A própria ideia de um psicopata que consegue adivinhar em que número sua vítima pensará funciona muito bem dentro da narrativa criada: estabelece imediatamente a inteligência e sagacidade do vilão – cuja identidade só descobriremos no final, naturalmente –, bem como o envolve num aura de ameaça, essencial para que o temamos e acreditemos em sua atuação, sempre um passo a frente do que a polícia consegue calcular. E à medida que a trama engrena e mais gente começa a aparecer morta, vamos penetrando lentamente na mente do assassino, e, de quebra, na do protagonista David Gurney, que representa um pouco forte a parte em “Eu sei o que você está pensando.”

O ex-tira com um trauma no passado é um clichê recorrente em histórias policiais. Ainda mais se o mesmo ex-tira tem problemas em seu relacionamento por não conseguir abandonar suas inclinações investigativas. Nesse sentido, David Gurney segue a cartilha a risca: a morte do filho mais de uma década atrás, combinada ao casamento cada vez mais problemático com Madeleine – e, de quebra, o pouco contato com o filho Kyle, fruto de um casamento anterior – fazem dele uma figura ressequida em termos de relações humanas, o que torna ainda mais indispensável para o personagem o refúgio no mundo dos crimes, onde seu raciocínio rápido e linear lhe garante alguma segurança. Toda a composição de Gurney funciona muito bem não só no sentido de prover um bom adversário ao assassino que logo de cara sabemos ser brilhante e imprevisível, mas também um protagonista cujos dramas realmente soam convincentes e profundos para o leitor.

Gurney é essencialmente cerebral, lógico-dedutivo, na tradição de um Hercule Poirot ou um Sherlock Holmes, detetives clássicos da literatura policial, que conseguiam concentrar suas atenções em detalhes facilmente ignoráveis que, no entanto, guardavam a chave para a solução dos mistérios em que se envolviam. A diferença é que aqui o autor precisa a todo custo dar um tom de verossimilhança à narrativa – nem sempre presente nas histórias de Agatha Christie e Conan Doyle, que escreviam para outra audiência em outra época –, o que implica em não exagerar demais nas capacidades detetivescas de Gurney. Trata-se de um equilíbrio frágil entre estabelecer e demonstrar a inteligência do protagonista e não abusar a ponto do leitor considera-lo brilhante demais. E Verdon consegue esse equilíbrio na maior parte da história, embora tropece aqui e ali, e Gurney apareça com algumas deduções um tanto inacreditáveis.

Os outros personagens que cruzam as páginas de “Eu sei o que você está pensando” têm seus altos e baixos. O autor carrega particularmente a mão na composição de Rod Rodrigues, capitão da polícia cujo único papel parece ser demonstrar incompetência. Jack Hardwick, policial parceiro de Gurney durante a investigação, convence pelas boas tiradas cômicas e desbocadas. O promotor Sheridan Kline funciona na maior parte do tempo, mas não teria sido má ideia humaniza-lo minimamente (Verdon reforça a cada nova aparição do sujeito seu anseio por impressionar a imprensa). Mas, de todos os coadjuvantes, não há quem funcione melhor que Madeleine, esposa de Gurney, habilmente construída para ir tornando-se, ao longo da narrativa, um poderoso elemento não só de conflito, mas de redenção para o protagonista.

O desenvolvimento na trama é evolvente. As etapas da investigação, a especulação acerca dos métodos do assassino, suas misteriosas mensagens, sua patologia psicopata, tudo isso arrasta o leitor para dentro da narrativa – e aumenta a expectativa para o desfecho. E é quando esse momento chega que Verdon paga o preço por ter ousado demais. O clímax, que deveria ser um momento de fôlego, de virar as páginas apressadamente, arrasta-se por mais tempo do que o necessário, prejudicado pela necessidade do autor de providenciar respostas para todas as perguntas suscitadas anteriormente. O resultado não chega a ser frustrante – embora a identidade do assassino também não seja a maior das reviravoltas –, mas fica a impressão de que Verdon tentou encaixar coisas demais num espaço muito pequeno, sabotando aquele que deveria ser o ápice da história. A bonita cena final deixa o cenário arranjado para uma continuação, já lançada lá fora, mantendo, talvez apropriadamente, algumas interrogações sobre Gurney e todos os seus dramas.

Resta esperar para ver se Verdon repete os problemas deste “Eu sei o que você está pensando”, ou se consegue contorna-los, criando uma história mais redonda.

Boas leituras.

5 comentários:

  1. Tá, eu não li a resenha. Não me bata por isso, rs. Mas é que ainda estou lendo o livro. Muito no comecinho, aliás. Prometo que quando terminar volto aqui pra gente debater melhor. :P

    Mas me animou o fato de vc ter gostado do livro, apesar dos 'probleminhas' da narrativa.

    Abs!

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  2. Poxa, a Arqueiro já conseguiu os direitos do James Patterson, e agora ainda conseguem o John Verdon?! Tem tudo pro selo crescer bastante.

    Gostei da resenha, fiquei curioso pelo livro e pela série - aproveitar que ainda é o volume um, antes que eles comecem a publicar dois romances por ano e eu comece a perder o fio da meada.

    Qualquer dia desses eu leio.

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  3. Concordo com tudo, Josué. Realmente o livro tem seus deslizes, mas é excelente no todo.

    Quanto à sequência, infelizmente não chega aos pés da estréia. Não diria que é péssimo, mas fraco de tudo, e as personagens estão muito descaracterizadas, sobretudo o Gurney. Uma pena...

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  4. Gostei do primeiro, mas não o suficiente para ler o segundo. Achei-o cansativo em alguns pontos. E aquelas reuniões nas quais discutiam os crimes eram confusas. O que mais gosto em livros policiais são os interrogatórios com testemunhas e isso faltou.Ficou focado demais análise das pistas. Mas num apanhado geral o livro está acima da média.

    http://porquelivronuncaenguica.blogspot.com.br/2015/02/sete-detetives-e-seus-metodos.html

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  5. Gostei do primeiro, mas não o suficiente para ler o segundo. Achei-o cansativo em alguns pontos. E aquelas reuniões nas quais discutiam os crimes eram confusas. O que mais gosto em livros policiais são os interrogatórios com testemunhas e isso faltou.Ficou focado demais análise das pistas. Mas num apanhado geral o livro está acima da média.

    http://porquelivronuncaenguica.blogspot.com.br/2015/02/sete-detetives-e-seus-metodos.html

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